(Para Hugo Chávez Frías)
Era dia de tomar o rumo do Brasil. Na boca da noite, dirigi-me à rodoviária de Ciudad Bolívar, onde tantas coisas tinham acontecido! Sentei-me a um banco com minha mochila e uma sacola xadrez cheia de livros daquele país maravilhoso, e logo um jovem casal me sorriu com a simpatia tão própria das gentes da Venezuela.
Ambos, mais um filhinho muito lindo, eram assim como eu tinha me acostumado a ver a gente de lá: morenos, talvez mestiços, naquela tão fácil mestiçagem altamente democrática que aconteceu na Venezuela ao longo da sua história. Chamava a atenção os luzidios cabelos negros escorridos da mulher, cuidadosamente presos num rabo de cavalo. Ela estava pela metade de uma gravidez, penso, e usava um lindo vestido de laise creme – o conjunto dela, do marido e do filhinho era muito bonito; lembrava gente simples, próspera e culta, talvez agricultores, mas haveria agricultores naquela terra tão fértil por onde viajei de ônibus durante toda a claridade de um dia, sem ver uma roça, uma vaca? Haveria agricultores num país onde poderia faltar o leite para o café da manhã, caso o avião dos EUA não chegasse a tempo? Até a alface vinha dos EUA, de avião…
Num instante estávamos conversando. Já se passaram mais de sete anos, não recordo mais dos seus nomes, mas eles eram índios. Estava encantada com eles, queria saber de onde eram.
– Depois de Santa Helena do Uairén, viajamos mais quatro horas até chegar à nossa tribo.
Céus, isso era muito longe! Santa Helena de Uairén era a cidadezinha quase na fronteira do Brasil, pequenina, quase que um posto avançado da Venezuela – quatro horas de viagem dali em diante era longe mesmo!
– Eu estou fazendo a Faculdade de Multiculturalismo – explicou-me o homem – Agora, lá na nossa tribo, a gente pode fazer faculdade. Agora se estuda em todos os lugares – ele sorriu, compreensivo, pois decerto eu fizera alguma cara de espanto:
– Assim que a minha mulher tiver o bebê, ela também vai estudar Multiculturalismo!
Naquele momento, todos estudavam na Venezuela – quem fora analfabeto andava entrando no ensino secundário; quem já fizera o primário estava a chegar nas universidades. Os investimentos em saúde e educação eram impressionantes – só não imaginava que os índios quatro horas depois de Santa Helena de Uairén estavam a estudar Multiculturalismo, tão importante curso num país tão mestiço quanto aquele!
– E antes, como era? – eu queria saber tudo.
– Antes do Comandante, éramos índios abandonados. Se não fosse o Comandante…
Viajamos por toda a noite no mesmo ônibus, e de manhãzinha chegamos à Santa Helena. Mais 15 km e eu estaria no Brasil – mais quatro horas e meus amigos estariam na tribo onde se estudava Multiculturalismo. Despedi-me daquela família cheia de dignidade que um dia se limitara a sofrer as humilhações que sofrem a maioria dos pobres e que agora se instruía lá na sua terra de uma forma que nunca sonhara.
Comandante Hugo Chávez, obrigada por mais aquela belíssima surpresa dentre tantas outras naquelas semanas de Venezuela! Nunca mais ninguém poderá pisar naquele homem que morava a quatro horas de Santa Helena de Uairén, agora que ele está armado com as fascinantes armas do Conhecimento! Ah! Comandante, Comandante, por que te foste tão cedo?
Choro.
Fonte: Digital ABC Agência de Notícias