O torcedor do Brusque pode respirar um pouco mais aliviado. Em julgamento tenso no pleno do STJD, realizado nesta quinta-feira (18), o clube recuperou os três pontos perdidos em primeira instância. Numa audiência de quase três horas, e ainda não encerrada, seis auditores já votaram de nove possíveis. Cinco deles já absolveram o clube da perda de pontos, sendo que, entre os seis, um deles pediu a perda de um mando de campo, outro de dois e um terceiro de cinco. Já a pena de Júlio Petermann foi mantida, com afastamento dos estádios de futebol por um ano, além do pagamento de multa.
O julgamento
O julgamento começou com o depoimento de Celsinho, que voltou a relatar que ouviu ofensas de cunho racista na partida e o quanto essa situação abalou a sua vida familiar e profissional. “Meu filho menor chegou a pedir para eu cortar o cabelo para a mãe dele não chorar”, destacou.
Após a fala do atleta, houve grande divergência em relação a sequência das falas. Interessados na perda de pontos do Brusque, Vitória e Ponte Preta também mandaram representantes, que teve também advogados das Federações Paranaense e Bahiana de Futebol. Todos se inscreveram como terceiros interessados. Por sua vez, o advogado Rodrigo Capella, da Federação Catarinense de Futebol, também pediu a fala para defesa do Brusque.
Após votação dos auditores, ficou definido que os terceiros interessados se manifestariam antes dos advogados de Brusque e Londrina. Wiliam Hosaka, da Federação Paranaense de Futebol, diz que a federação se mostrava presente para defender o Londrina, seu filiado. Ele pediu a manutenção da punição ao Brusque com a perda dos pontos.
Rodrigo Capella, da Federação Catarinense de Futebol, na mesma linha, fez a defesa do Brusque como clube filiado. Ele ressaltou que a infração cometida foi um fato individual, não cometido por uma coletividade ou grupo de torcedores e, que assim, não seria justo pedir que o Brusque perca três pontos. “Até mesmo porque o jogo terminou 0 a 0. O Brusque não conquistou os três pontos daquela partida. Não há previsão legal para perda de pontos, e a própria procuradoria, que é a fiscal da lei, entende que isso não é plausível, ainda mais quando causado por uma única pessoa”.
Na sequência, Patrícia Moreira Nogueira, que representou o Vitória e a Federação Bahiana, disse que o clube e a federação tinha interesse na manutenção da pena ao Marreco, haja visto que o Vitória é um concorrente direto do Brusque na luta sobre o rebaixamento. “Caso o Brusque recupere os pontos, isso pode interferir nessa briga”, justificou.
Já a advogada da Ponte Preta defendeu a história do clube, um dos primeiros a aceitar um jogador negro em seu elenco e pediu uma punição exemplar ao Brusque. “A Ponte Preta tem 120 anos nesta militância e é contra qualquer ato discriminatório. Por isso pede uma punição exemplar ao Brusque, tanto dentro quanto fora de campo”.
Em um dos momentos mais esperados do julgamento, o advogado do Brusque, Osvaldo Sestário, lamentou que, com exceção da Ponte Preta, todos os demais representantes estavam ali apenas por interesses dos 3 pontos, sem mostrar preocupação alguma com o possível ato de racismo. Ele repugnou o ato.
O advogado pediu a reconsideração da perda dos pontos do Brusque e também da multa de R$ 30 mil imposta ao clube. Ele lembrou que, se mantida, a pena do Brusque será a mais dura dada a um clube de futebol no tribunal nos últimos cinco anos. Ele lembrou de diversos fatos nas últimas semanas que não tiveram a mesma repercussão midiática e, sobretudo, a mesma penalização. “O Brusque não pode ser penalizado apenas pelo clamor da mídia e popular”, afirma.
Ele ainda desqualificou as acusações do Londrina, ao lembrar que o fato só tomou grande proporção nacional cinco dias depois, após um vídeo divulgado pelo clube em que os paranaenses alegavam menções a palavra macaco. “Importante salientar que isso (xingamento de macaco) já foi desqualificado no primeiro julgamento, e tanto o Londrina quanto essa procuradoria não recorreram. O que se discute apenas é o uso da palavra cachopa de abelha, que tanto eu quanto o próprio atleta sequer conhecíamos”.
O advogado do Brusque ainda cedeu um aparte para outro representante do clube que novamente pediu para que os atletas não fossem penalizados por um ato individual. “Não estou aqui para defender o Brusque, mas sim atletas que estavam no clube na Série C, e agora lutam para ficar na Série B, que é a tendência com a recuperação dos pontos. Há uma pena desproporcional, principalmente em relação ao princípio de estabilidade da competição”.
Na sequência, Eduardo Vargas, advogado do Londrina, teceu críticas ao Brusque e à sua defesa. “Me causa perplexidade esse recurso. O Brusque, em nome da consciência negra, deveria aceitar a punição e não recorrer, até mesmo em nome dos atletas e funcionário afrodescendentes que fazem parte do clube. Não podemos mais aceitar racismo no futebol e na sociedade brasileira”, diz. “O Brusque quer ver esquecido isso, mas jamais vamos aceitar condutas criminosas e que atentem a dignidade humana, e cabe a esse tribunal mostrar isso”.
O procurador João Marcos defendeu a denúncia. Ele argumentou que não pode considerar o termo macaco, pois o Brusque trouxe um perito na primeira audiência que garantiu que essa palavra não foi proferida no vídeo apresentado pelo Londrina. Por outro lado, lembrou que o presidente do Conselho Deliberativo do Brusque, Júlio Petermann, é réu confesso na acusação da palavra “cachopa de abelha” e também lembrou da infeliz nota do clube, ressaltando, inclusive, que ela teve mais de 500 curtidas numa pagina de 55 mil pessoas, o que aumenta a proporção do ato.
Ronaldo Piacenti, procurador do STJD, recomendou a perda de pontos ao clube, por uma questão de dosemetria. O relator Maurício, primeiro a votar, diz que não resta dúvida da infração cometida pelo Brusque, lembrando o que o penteado black power representa para a cultura negra. Lembrou que Júlio Petermann é réu confesso e que o clube ainda postou uma nota lamentável sobre o fato. Defendeu que é um papel de todos lutar por uma sociedade mais igual, e papel do STJD punir qualquer ato ultrajante dentro do futebol. “Como forma de educar o causador da pena, e mediante os fatos graves cometidos, voto por manter a perda de três pontos ao Brusque”. O auditor absolveu o clube apenas da multa de R$ 60 mil. Júlio Petermann teve a pena mantida: R$ 30 mil de multa e um ano sem frequentar estádios de futebol.
Felipe Bevilacqua, o segundo a se manifestar, falou sobre as pecularidades dos fatos para o devido enquadramento legal, se Júlio Petermann seria enquadrado como dirigente ou torcedor. Ele comentou que cabe ao estado penalizar o crime, o STJD tem que avaliar os atos dentro da jurisprudência desportiva. Ele lembrou de casos nacionais e internacionais, inclusive de jogos da seleção brasileira, que não houve perda de pontos, somente multa. “Vamos sim, punir severamente a injúria racial, mas temos que respeitar a justiça desportiva”. Bevilacqua comentou que de 32 casos que chegaram ao tribunal, em apenas dois teve a perda de pontos, o que ele era totalmente contrário. “O estado, quando pune, o faz somente com o indivíduo, e não com uma coletividade”, diz. O voto foi para que o Brusque perdesse apenas um mando de campo, enquanto Júlio Petermann teve a pena duplicada para 720 dias sem poder ir ao um estádio de futebol, além de também aumentar o valor da multa do dirigente para R$ 80 mil.
No terceiro voto, o auditor Mauro Marcelo, comentou que, apesar de dirigente, Júlio Petermann se comportou como torcedor, violando as normas da CBF. Por isso, entendeu que a multa de R$ 60 mil aplicada a Petermann foi condizente. Na sequência, fez as observações sobre a possível perca de pontos do Brusque. Ele afirmou que a perda de pontos está prevista dentro do Código Desportivo, mas observou a subjetividade na condicionante “poderá perder pontos”, ao invés de “deverá”. “Tenho certeza que os brusquenses não concordam e nem compactuam com o seu conterrâneo. Diante dos fatos, mantenho pena a Júlio Petermann, de R$ 30 mil e afastamento de 360 dias, mantendo a pena ao Brusque ao pagamento de R$ 60 mil, mas absolvendo ao clube da perda de pontos”.
Na sequência, quem proferiu o voto foi o auditor Luiz Felipe Bulus. Ele se sensibilizou com Celsinho e disse que é preciso tolerância zero contra o racismo. Porém a responsabilização tem que ser objetiva (a pessoa) e não subjetiva (ao clube). “Ss “cachopa de abelha” a gente considerar extrema gravidade, imagina os outros casos de xingamentos mais pesados”, questiona, temendo uma série de casos no futebol que podem parar no tapetão. Ele lembrou que apesar da nota ter sido inserida no processo, o clube não foi denunciado pela nota (para que ela tivesse peso no julgamento). “A nota é infeliz, mas ela não traz uma vírgula como discriminação racial, ela podia ser julgada por outros aspectos”. Por fim, o auditor votou apenas pela manutenção da multa ao clube, sem perda dos pontos, e disse que até gostaria de aumentar a pena de Júlio Petermann, como já sugerido para 720 dias, mas não o fará porque o recurso é do Brusque”
Sérgio Martinez, quinto auditor a se manifestar disse que Petermann tinha dolo específico de ofender a honra de Celsinho. Ele afirmou que também não conhecia a frase “Cachopa de abelha”. Ao votar, optou por penalizar o Brusque com a perda do mando de campo de dois jogos, apenas, e sugeriu uma retratação do clube em jornais de grande circulação nacional. O auditor manteve a multa de Júlio Petermann e também o afastamento de 260 dias do estádio.
Ivo Amaral, sexto auditor a ser ouvido, lembrou que racismo é crime no Brasil e que a própria Lei Pelé dá garantias de proteção ao atleta. Ele observou que a agressão psicológica é mais danosa do que a física. Lembrou que entre os terceiros interessados ninguém cumprimentou o atleta Celsinho, só vieram atrás dos três pontos. O auditor pediu o aumento da multa de Petermann a R$ 50 mil, mas acatou o pedido da defesa do Brusque, devolvendo os três pontos à equipe, e garantindo antecipadamente o julgamento favorável ao clube, com placar parcial de 5 a 1 de nove votos possíveis.
Por: Rádio Araguaia